quarta-feira, agosto 05, 2009

A Miséria Cultural Baiana, André Setaro TERRA Magazine

Terça, 4 de agosto de 2009, 08h11
A miséria cultural baiana
André Setaro
De Salvador (BA)

Diz-se que a Bahia já teve seu Século de Péricles, uma alusão ao período efervescente que se situou nos anos 50 e na primeira metade dos 60, quando Salvador congregava o que havia de mais criativo na expressão artística. Estimuladas pela ação da Universidade Federal da Bahia, comandada, e com mão de ferro, pelo Reitor Edgard Santos, as artes desabrocharam com o surgimento do Seminário de Música, da Escola de Teatro, do Museu de Arte Moderna, dos inesquecíveis concertos na Reitoria, da porta da Livraria Civilização Brasileira na rua Chile, dos papos ao por do sol frente à estátua do Poeta, no bar e restaurante Cacique, dos debates calorosos da Galeria Canizares (no Politeama), da "boite" Anjo Azul (na rua do Cabeça), entre tantos outros pontos que faziam da Bahia um recanto pleno de engenho e arte.

Na Escola de Teatro, por exemplo, que, inicialmente, foi dirigida por Martim Gonçalves, montava-se, lá, de Bertolt Brecht, passando por Ibsen, Eugene O'Neill, entre tantos, a Strindberg, com um rigor inusitado, e tal era a excelência de seus espetáculos que vinham pessoas do sul do País, e até do exterior, vê-los encenados "in loco". No curso de preparação de ator, o estudante levava alguns anos para poder participar de uma montagem teatral, iniciando a sua trajetória como um mordomo mudo ou de poucas falas. Somente ter o seu nome no programa da peça já era um prêmio, uma alegria, um consolo.

O recente livro, "Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia", de Jussilene Santana, analisa a configuração do teatro como temática na imprensa baiana em meados do século XX e, pela primeira vez, faz justiça a Martim Gonçalves, o responsável pela excelência das montagens teatrais, criador da Escola de Teatro (que hoje tem o seu nome), mas muito criticado na sua época e até mesmo denegrido pelos opositores. Após a leitura deste livro imprescindível, a conclusão é única e inequívoca: sem Martim Gonçalves não se teria um teatro baiano do nível a que chegou, ainda que, décadas depois, tenha perdido todo o seu vigor, transformando-se num grande proscênio destinado à proclamação de "besteiróis", honradas as exceções de praxe.

Cinqüenta anos depois, meio século passado, a realidade cultural baiana é uma antípoda da efervescência verificada, uma época que foi chamada, inclusive, de "avant garde" pela sua disposição de inovar, pela marca de vanguarda da mentalidade de seus artistas e intelectuais. Atualmente, a Bahia regrediu muito culturalmente a um estado, poder-se-ia dizer, pré-histórico, e o "homo sapiens" do pretérito se transformou no "pithecantropus erectus" do presente. Aquele estudante do parágrafo anterior, por exemplo, não existe mais.

Na Bahia miserável da contemporaneidade, qualquer um pode pular em cima de um palco, qualquer um se sente apto a dirigir uma peça, "mexer" com cinema, fazer filmes. Com as sempre presentes exceções de praxe, o teatro que se pratica na Bahia é um teatro besteirol, que faria corar aqueles que participaram da antiga escola de Martim Gonçalves.

A Bahia não está apenas mergulhada em bolsões de pobreza, na violência diuturna e desenfreada, com seu povo excluído de tudo - e até mesmo dos cinemas, mas do ponto de vista cultural a miséria é a mesma. Miséria cultural, descalabro, ausência do ato criador, apatia, desinteresse. Eventos existem para a satisfação de pseudo-intelectuais que não possuem as bases referenciais necessárias para a compreensão do que estão a ver ou a ouvir. O momento presente, se comparado aos meados do século passado, assinala uma regressão cultural sem precedentes. Como disse Millor Fernandes, a cultura é regra, mas a arte, exceção, o que se aplica sobremaneira sobre o estado atual da cultura baiana. Cultura se tem em todo lugar, mas arte é difícil, e a arte baiana praticamente não existe.

Com o desaparecimento dos suplementos culturais e o advento de normas editoriais que privilegiam o texto curto, além da incultura reinante pela assunção do império audiovisual em detrimento da cultura literária (vamos ser sinceros: ninguém hoje lê mais nada), a crítica cultural veio a morrer por falência múltipla das possibilidades de exercício da inteligência numa imprensa cada vez mais burra e superficial.

Sérgio Augusto, crítico a respeitar, que militou nos principais jornais cariocas, em entrevista ao "Digestivo Cultural", site da internet (vale a pena lê-la na íntegra: http://www.digestivocultural.com/entrevistas/entrevista.asp?codigo=10), do alto de sua autoridade no assunto, afirmou que o jornalismo cultural está morto e enterrado, ressaltando que se fosse um jovem iniciante não entraria mais no jornalismo porque não vê, nele, perspectivas para a crítica de cultura (área de sua especialidade).

Dava gosto se ler o Quarto Caderno do Correio da Manhã com aqueles artigos copiosos, imensos, que abordando cultura e artes em geral, eram assinados por Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, José Lino Grunewald, Antonio Moniz Viana, entre tantos outros. A rigor, todo bom jornal que se prezasse tinha seu suplemento cultural. Aqui mesmo em Salvador, vale lembrar o do Diário de Notícias e o do Jornal da Bahia (em folhas azuis). Atualmente, resiste o Suplemento Cultural de A Tarde (mas, mesmo assim...).

A inexistência da crítica de arte não diz respeito apenas ao soteropolitano. É uma constatação geral no jornalismo brasileiro. Mas, e os cadernos culturais e as ilustradas da vida? Caracterizam-se pela superficialidade e servem, apenas, como guia de consumo, com suas resenhas ralas. Atualmente, os cadernos dois, assim chamados, são até contraproducentes porque elogiam o que deveriam criticar, colocando na posição de artistas personalidades que deveriam, no máximo, estar no departamento de limpeza de estações rodoviárias.

A crítica de arte serve justamente para isso: para, construtivamente, sem insultos, mas com argumentos sólidos, desmontar aquilo que não presta. Que falta não faz uma crítica de teatro séria, que, semanalmente, venha a apreciar o que se está a apresentar na cidade como literatura dramática! Ou uma crítica de artes plásticas. A interferência de um crítico faria corar muitos pintores que estão expondo na Bahia e posando como artistas. Assim também uma crítica de cinema que fosse menos paternalista com os "coitados' dos cineastas baianos cujas imagens são a de "franciscanos" em busca da expressão cinematográfica, mas cujos resultados, em sua grande maioria, remetem o espectador aos braços de Morpheu, quando não à aporrinhação.

Se a miséria da cultura baiana é cristalina, a miséria da crítica cultural é, também, imensa. Que esmola pode ser dada para se acabar com ela?

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Entrevista no Michele Marie, seção Bahia BY


Um destaque cultural da Bahia!

Não é de hoje que a atriz e jornalista Jussilene Santana vem se destacando no cenário cultural da Bahia. Em 2004 ela foi indicada ao Prêmio Braskem como melhor atriz coadjuvante, em seguida, em 2005 ela foi contemplada com o Prêmio Braskem como melhor atriz pelo seu desempenho no espetáculo Budro. Além de atuar nos palcos ela é Professora e Mestre em Artes Cênicas e atualmente está fazendo doutorado na UFBA. Com o jornalismo ela também ganhou prêmios pela sua competência e teve a oportunidade de trabalhar em jornais de grande circulação, foi repórter de Tv e escreveu um livro recentemente, o qual é intitulado “Impressões Modernas – Teatro e Jornalismo na Bahia”. Para compreender as facetas da artista/jornalista o Michelle Marie fez uma entrevista pra lá de interessante. Confiram!

Entrevista com Jussilene Santana
Fotos Thiago Teixeira

Michelle Marie -Em primeiro gostariam de saber como é possível administrar tantas atividades com tanto profissionalismo e perfeição?
Jussilene Santana - Bom, perfeição é por sua conta...E nem sei se perfeição deve ser um objetivo. Mas, sim, sempre quis ser profissional da arte e da cultura aqui na Bahia, no que a definição tem de melhor: alguém que abraça uma profissão e maneja suas técnicas com maestria. Quando iniciei no teatro e no jornalismo, há 14 anos, tinha muitos mestres como modelo: a atriz Yumara Rodrigues, os diretores Martim Gonçalves e Ewald Hackler, os jornalistas Alberto Dines e Andre Setaro, enfim, só para ficar em nomes mais próximos a nós. Com o tempo, e com a ajuda integral da família, descobri como uma atividade poderia fortalecer as demais e o cotidiano foi ficando mais simples. Daí, é só manter o foco. E trabalhar muito.

M.M - O que significa ser referência para o teatro baiano, o jornalismo e academia?
J.S - Mas eu não sei se sou referência em coisa alguma... As outras pessoas é que podem responder isto! Por outro lado, sempre pautei minhas escolhas profissionais com muita responsabilidade, pensando na qualidade do que levava para meu público, meus leitores e alunos. Aprendi muito cedo a dizer não. Como expectadora e leitora, o que mais me interessa são as produções feitas com sensibilidade e inteligência. Só tento devolver o que recebo.

M.M -Como era a sua relação com o teatro durante a infância e adolescência?
J.S - Nesta fase, praticamente nenhuma. Claro que fiz peças de teatro na escola, na rua e na igreja, mas nenhuma delas tinha compromisso com a excelência, sendo mais um gostoso hobby. Só fui conhecer o teatro profissional quando conheci as produções da Escola de Teatro da Ufba, nos anos 1990. E aos poucos fui assistindo outras peças do circuito e acompanhando a cena e seus artistas.

M.M -Você acha que o jornalismo precisa investir mais em cultura na Bahia?
J.S - O jornalismo precisa de muito investimento. De profissionais capacitados, de aumento do número de reportagens e análises, de mais concorrência! Claro, não só na cobertura cultural...Mas, sabemos, o jornalismo impresso atravessa uma crise. Os jornais existentes estão fechando ou passando por grandes reformulações, frente à multiplicidade de sites e blogs informativos, que, na maioria das vezes, trabalham com mão-de-obra não remunerada.

M.M -O que você espera do seu novo espetáculo na pele de Joana d'Arc?
J.S - Ultimamente venho me interessando muito pelo tema "quem somos nós". Sobre como é possível entrar num grupo e batalhar por ele, não apenas agindo em nome próprio, mas de uma coletividade...Isto está cada vez mais complicado, não é verdade? Temos inúmeras reivindicações a fazer aos governos, às instituições, mas quando nos unimos uns aos outros para prosseguir numa "luta" por melhorias, tudo desanda... Espero colocar estas inquietações no espetáculo, afinal, Joana d'arc, é uma metáfora desta luta.

M.M -Por favor descreva um pouco de você relacionada a cada item a baixo:

Família... Minha família compreende que minha vida é trabalho e me apóia em tudo que faço.

Atriz...A grande forma de comunicação.

Jornalista...Um prazer absoluto em provocar novas cabeças.

Professora...Um momento de troca e de aprendizado de mão-dupla.

Doutoranda...A necessidade de lançar foco sobre a obra de um grande nome do Teatro na Bahia: Martim Gonçalves

Escritora...Uma outra maneira de divulgar minhas descobertas