domingo, março 22, 2009

Jussilene Santana fala de Joana d'Arc e muito mais



O link no A Tarde é http://www.atarde.com.br/muito/bio/index.jsf?post=1101345

Jussilene Santana fala de Joana D'Arc e Muito mais



Jussilene Santana fala de Joana D´Arc e muito mais
A Tarde, 22 de março de 2009 - Domingo
Revista MUITO - Jornal A Tarde, Salvador - BA

http://www.atarde.com.br/muito/bio/index.jsf?post=1101345

Katherine Funke
Márcio Lima | Divulgação
[ Atriz em cena de Shopping & Fucking, papel anterior ao de Joana D´Arc ]

Este ano, ninguém discorda, é dela. Jussilene Santana vai ser mãe. De uma menina. E de uma grande personagem. Quando fizemos a entrevista, no dia seguinte ao lançamento do seu livro Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia, ela estava com a corda toda. Não para menos. Além de se preparar para encenar Joana D' Arc no teatro, a atriz e jornalista vai estrear em breve no cinema - e logo em três longas-metragens baianos. Quem não a viu em ação nos palcos ainda tem chance de conhecê-la. No segundo semestre, o espetáculo sobre a soldada francesa Joana D´Arc será encenado em teatros baianos. Faz poucos meses, Jussilene mora no Rio de Janeiro. Tudo indica que, se os ventos continuarem tão bons, essa baiana em breve será conhecida de um público mais vasto. Leia a seguir alguns dos principais trechos da entrevista, concedida entre sucos e sanduíches, no Rio Vermelho:

TRAJETÓRIA
"Eu sou uma atriz com vários começos: fiz teatro na Igreja de São Caetano, na Escola Técnica, nas oficinas da Fundação Cultural... Mas o clic só se deu com a minha entrada na Escola de Teatro, pelo XII Curso Livre, em 1995, porque nela conheci um grande número de atores e diretores que faziam do teatro uma profissão e não um hobby. Ser atriz é, sobretudo, ter 2.500 anos de idade. Com uma memória transmitida pelas centenas de textos gregos, suecos, russos e americanos, por autores de diferentes latitudes e épocas. Ser atriz é ser herdeira de uma tradição e ter uma dívida imensa com os mortos."

PRÊMIOS
"O Braskem não é o Oscar, um prêmio que funciona como uma vitrine dos melhores do mercado. Não é um trampolim para que carreiras deslanchem a partir dos novos convites que surgirem desta projeção. Uma vitrine assim só funciona em estruturas organizadas, o que não é o caso de Salvador. Nesta cidade o Braskem e a área teatral estão cada vez mais marginalizados da vida social. Antes o Braskem ainda tinha certo peso porque tentava avaliar a poética dos produtos apresentados. Mas o perfil do prêmio mudou consideravelmente nos últimos anos. Hoje ele é mais um prêmio que contempla as ações extra-palco do indivíduo, como o esforço que ele teve para chegar até ali, seu tempo de carreira, a dedicação como artista ou se ele é alvo de alguma exclusão social e que, por isto, deve ser "recompensado". Sinal dos tempos. Se o Braskem fosse avaliar só as questões técnicas e poéticas do fazer teatral teria que encarar a dura realidade de deixar várias categorias sem indicados."

MESTRES
"Tenho mestres, graças a Deus. O diretor e cenógrafo Ewald Hackler é um deles. Porque ele é extremamente sensível e generoso com o ator, jamais o abandonando às feras. E é extremamente exigente. Cansamos de trabalhar noites seguidas em uma única fala, um único gesto, exatamente para transformá-lo em único, inesquecível para quem assiste. Ele também tem um senso de humor aguçadíssimo e é simplesmente a pessoa que assistiu/ouviu mais peças, filmes e músicas que eu conheço, transformando todo o trabalho de ensaios num encontro prazeroso. Outro mestre é Martim Gonçalves, o tema do meu doutorado, por ter implantado nesta cidade a noção de profissão em teatro, mas, sobretudo por ter sido um homem de teatro que defendeu a arte teatral contra todas as adversidades que encontrou. A atriz Yumara Rodrigues porque, acreditem, ela é a melhor. Mas meus mestres também vêm de outras áreas: o cineasta alemão Ernest Lubitsch, pela malícia e ironia de seus filmes; o escritor americano Kurt Vonnegut, pela incrível mistura de desespero, piedade e esperança com os seres humanos. E a cantora americana Ella Fitzgerald, pelo domínio com a técnica vocal e pela articulação impecável."

NA CONTRAMÃO
"Demorei muito tempo para sair do século XIX, século do teatro e da escrita. A base da minha formação e da minha sensibilidade é formada por eles. Quando comecei a cair no século XX, do cinema, do rádio e da TV, praticamente pulei para o XXI, dos blogs, podcasts e softwares sociais. Isto tudo a despeito de reconhecer que é a mídia massiva ainda é a que mais legitima artistas para o público. O teatro tem sido, há muito tempo, uma atividade de resistência, para quem faz e quem assiste. O teatro é uma atividade artesanal, de alcance pequeno se compararmos com a audiência da TV, com o público do cinema... Por isto estará sempre na contramão da indústria cultural e vai ser sempre ser exercido por aqueles artistas que acham que existem experiências que só o teatro pode proporcionar, como a urgência, a força e a fragilidade da presença humana."

MUDANÇA PARA O RIO
"Para mim, o Rio de Janeiro é um prato cheio porque tenho muitos contatos lá. Mas sou muito baiana e meus interesses ainda estão ligados aqui. Tive muita resistência para fazer uma ponte aérea como essa, porque acho que Salvador precisa de tanta coisa... Mas minha consciência está super tranquila, porque todas as dimensões que trabalho, que são as da cultura e da comunicação, estão muito voltadas para a Bahia"

TALENTO
"Os talentos não florescem como flores, margaridas selvagens. Eles precisam de estrutura para evoluir e criar outras relações. O que eu vejo é que nos últimos 50 anos existiram dois momentos onde essa estrutura de fato aconteceu: dos anos 1950 para os 1960 e nos anos 1990. O resto era o teatro à própria sorte, marginalizado, sem conseguir dialogar com a sociedade. Tenho muitos colegas talentosos e atores novos surgindo, mas o talento sozinho não é nada. Se o talento não é trabalhado, a pessoa se decepciona, se enfraquece. Não é todo mundo que tem energia para viver às próprias custas."

FAMÍLIA
"Meu pai é verdureiro da Feira de São Joaquim. Minha mãe nunca estudou. Ela veio do interior, de Mutuípe, trabalhar em casa de família. Minha mãe sempre fez bolos, tortas maravilhosas. Meu pai sempre trabalhou com comércio, venda de frutas e verduras. Ele comprava quilos de revistas, jornais e livros para embalar as frutas e lascava tudo sem ler. Eu pedia: "painho, lasque não!", e separava pilhas de jornais. Meu irmão ajudava na venda, pesava farinha, ficava no caixa. E eu só dava prejuízo..."

INFANCIA
"Fui criada em São Caetano. Brinquei muito de rua. Depois, comecei a dar banca. Eu tinha a maior biblioteca de São Caetano, na época. A igreja me ajudou a me levar. A vida para mim girava em torno de São Caetano até os 14 anos. Eu ia para a praia e voltava, não conseguia dialogar com a cidade. Foi Frei Calixto, lá da igreja, que apresentou a cidade. Ele realmente me ajudou, literamente me pegou pela mão e a gente visitava igrejas, museus. Aí, lá eu pegava um panfletinho, via um cartaz e pronto, outro mundo se abria..."

CARREIRA
"Nunca fiz comédia. Durante sete anos, só fiz personagens da década de 50 para cá, sérias, sofredoras, porque eu adoro chorar. Será que eu tenho cara de mulher sofredora? (risos). Shopping and fucking foi o ponto de mudança. Já tinha um toque de humor. As pessoas disseram que nunca me imaginavam fazendo aquilo. Que massa! Era justamente o que eu queria!"

JOANA D' ARC
"Existem guerras justas e meios justos. Todo mundo que me conhece de fato e me acha agressiva, sabe que eu só uso a frente. Eu beiro a ingenuidade, às vezes. De mim você não pode esperar uma facada. A Joana D´Arc ganha e depois perde a guerra por causa disso. Ela é uma menina de 17 anos que ouve vozes e não tem estratégia. Ela só anda em linha reta. E ninguém estava esperando que alguém viesse de frente com tudo. Ela conquista Orleans, Reims, só que depois cai. O estandarte dela era todo branco. Ela não tinha nenhuma insígnia ou bandeira. É exatamente por isso que está aberta a tantas leituras: é uma batalha de energia e força que abre caminhos"

DESABAFO
"Às vezes, acho que perco meu tempo assistindo teatro. Não sou mais uma espectadora muito frequente, pois me decepciono muito com o que vejo, e não gosto de muita coisa. Começo a ver que as pessoas estão jogadas aí, estão aprendendo com elas mesmas, à propria sorte. A chance que você tem de ser bom é que você chupou de alguém. É a mimesis e desde Aristóteles (447 a.C. - 385 a.C.) isso não é segredo... Por isso, Martim Gonçalves misturava atores experientes com novatos: para não se ficar inventando tudo do zero. Tem gente com talento para caramba repetindo erros, e se atuassem dois dias com ator experiente certamente aprenderiam muito".