segunda-feira, maio 25, 2009

Luz no Teatro de Martim Gonçalves, A Tarde, 25 de maio de 2009


A TARDE – Caderno Cultural 23/05/2009, sábado
LIVRO RETRATA MARTIM GONÇALVES

Dois especialistas analisam obra resultante de pesquisa sobre mídia impressa e a Escola de Teatro da Ufba

Martim Gonçalves, figura-chave no processo de construção da identidade do teatro baiano, é o principal personagem do livro Impressões modernas – Teatro e jornalismo na Bahia (Ed. Vento Leste) da atriz e jornalista Jussilene Santana. Doutoranda em artes cênicas pela Ufba, instituição onde ensina, a autora se dedicou ao tema em sua pesquisa de mestrado, na qual analisa a configuração do teatro na imprensa baiana, em meados do século XX, nos jornais A TARDE e Diário de Notícias.

Entendendo que “os jornais são personagens ativos na construção da história”, Jussilene resgatou e digitalizou 2.500 fotos e matérias jornalísticas sobre teatro publicadas entre 1956 e 1961, levantando de forma inédita a crítica teatral em torno do trabalho do primeiro diretor da Escola de Teatro da Ufba. Sua dedicação fez com que a pesquisadora conquistasse o respeito da família Gonçalves, que a ela doou todo o acervo do encenador. Sua pesquisa ilumina o teatro de Martim Gonçalves, apresentando um profissional nada elitista, mas, ao contrário, “ligado à cultura popular”, e humaniza sua imagem. Estes, na opinião do diretor Ewald Hackler e do ator Gideon Rosa, que resenham o livro, são os maiores mérito da autora. Confira nas páginas que se seguem.

Impressões Modernas, resenhado por Ewald Hackler

A TARDE – Caderno Cultural 23/05/2009, sábado
EWALD HACKLER

O livro Impressões modernas – Teatro e jornalismo na Bahia, da atriz e jornalista Jussilene Santana, lançado este ano, levanta pela primeira vez e analisa sistematicamente vasto material da crítica teatral em torno do trabalho de Martim Gonçalves na Bahia entre 1956 e 1961.

Jussilene se concentra nas coberturas do Diário de Notícias e do jornal A TARDE. O primeiro sustenta, pelo menos durante um bom tempo, o movimento cultural que Gonçalves desenvolve em volta da Escola de Teatro da então Universidade da Bahia. Enquanto o segundo transmite desde o início, em suas críticas, ambiguidade e até aberto antagonismo contra os novos rumos da cultura na Bahia.

Em 1998, escrevi uma resenha de A mochila do mascate, de Gianni Ratto, cenógrafo e diretor da Itália que trabalhou, a convite de Gonçalves, como cenógrafo, diretor e docente.

O livro contém um trecho em que Ratto avalia em termos conflitantes a convivência com Gonçalves: “... homem de cultura requintadíssima, sensibilidade aguda e total descompasso em suas relações humanas (...). Autoritário, estupidamente autoritário (...). Não admitia opiniões contrárias às dele (...) mas, com todos esses defeitos, tinha tido o mérito de organizar uma escola de primeira categoria. Alguns anos depois morreu, parece, de um tumor no cérebro, e isto explica tudo e me faz sentir constrangido por ter falado mal dele e, uma vez, depois de estúpida discussão, ter ameaçado surrálo (sic). Como toda personalidade ditatorial, era bi-fronte (sic), admirável e difícil de aturar.” Em 1994, Aninha Franco compilou, no seu O teatro na Bahia através da Imprensa , um, ao que parecia naquela época, vasto material que deu idéia do sistemático movimento que a Bahia promoveu contra Gonçalves e sua Escola.

Agora, o livro de Jussilene mostra a orquestração dessa campanha e analisa as sensíveis diferenças entre os impressos.

O que na verdade surge de maneira indireta, mas por isso não menos precisa, é a anatomia das mentalidades de uma província. Jussilene faz isso com uma quantidade surpreendente de material, revela uma desconhecida extensão de matérias sobre Gonçalves (que só reflete o interesse que o trabalho dele despertara em ambos os jornais), o que faz o recorte de textos selecionados por O teatro na Bahia através da Imprensa parecer muito manipulador.

A administração de Gonçalves coincide com um momento em que o Brasil atravessa intensa onda de nacionalismo, enquanto os EUA tentam, com uma política agressiva nos segmentos cultural e educativo, evitar que o setor estudantil se renda à sedução do ideário marxista.

Talvez se Cuba fosse situada em Sergipe, poder-se-ia duvidar que o entusiasmo pela vitória de Fidel e de sua posterior ditadura fosse tão geral na inteligência brasileira.

Gonçalves cometeu o pecado capital da época: conseguiu dinheiro para financiar seus projetos. Dinheiro da então dita imperialista Fundação Rockefeller. No fundo, apenas uma maneira encontrada para justificar a rejeição à excelência de seu trabalho. Nunca mais, depois de Gonçalves, uma estrela maior tomou posse da diretoria da Escola de Teatro com essa utopia messiânica.

É verdade que ele chegou ao teatro com algum atraso: formou-se em medicina com especialização em psiquiatria, estudou pintura em Pernambuco e Rio de Janeiro, onde experimentou arte-educação na Sociedade Pestalozzi com bonecos mamulengos nordestinos; estudou artes plásticas e cenografia em Londres e conheceu o rigor e a eficiência do teatro profissional inglês; trabalhou nos Estúdios da Vera Cruz, foi cenógrafo para Ziembinski e cofundador do Teatro Tablado.

Em 1956, quando assume a direção da Escola, com 36 anos, possuía sólido currículo profissional, muito acima do padrão comum. Mas é exatamente esta aparente falta de sequência na carreira, tão típica no currículo de gente de qualidade que trabalha com teatro, que seus críticos vão usar para desqualificálo como diletante e sem rumo.

São vários os enfoques que os chefões dos pequenos poderes da província usam para chamar Gonçalves às contas (com a régua do pedagogo à mão): chamam-no de colonizador porque não assume nos trabalhos uma posição de “baianidade”; é o adepto de estrangeirismos porque dirige textos da dramaturgia universal; é elitista porque monta textos de qualidade independente da origem do autor. Todas as bravatas inqualificáveis típicas dos tribunos provincianos.

São muitos, ainda, os “profissionais” da imprensa analisados por Jussilene. Tem o caso exótico de um jornalista, um verdadeiro “homem de borracha”, um contorcionista, que escreve quase que simultaneamente em diferentes jornais, emitindo em cada um deles avaliação sobre Gonçalves seguindo estritamente as linhas editoriais do impresso que o publica. Um verdadeiro mestre de flexibilidade e ética jornalísticas.

Bom, e diante do que faz Paulo Francis, que emite do Rio de Janeiro críticas sobre as peças dirigidas por Gonçalves sem assisti-las (obviamente baseado num ghost writer na Bahia que, por sua vez, republicava os textos de Francis na imprensa), até que as resenhas negativas utilizando pseudônimos representavam práticas inocentes...

O maior mérito do livro de Jussilene é que demonstra, não apenas analisando o currículo de Gonçalves, mas também seus empreendimentos culturais nos poucos anos de Bahia, ter ele feito em favor da arte popular do Nordeste, do teatro de cordel, da dramaturgia nacional, da divulgação das danças e teatros populares do Brasil (no País e no exterior), mais do que todos seus críticos juntos eventualmente fizeram pelo Estado e pela divulgação de sua cultura.

Seus críticos exerceram em lastimável penúria ideológica a função de leão de chácara dessa boa terra. Escolheram como quartelgeneral para maquinar os ataques o barzinho da esquina. E até hoje cultivam, como idéia dominante, que a situação colonial (ou semicolonial) produziria a alienação da cultura brasileira. Até hoje também – isso o livro de Jussilene transmite – se argumenta sob a mira de polarização costumeira, colocando a dramaturgia universal como servindo a um teatro alienado.

Enquanto embusteiros ambulantes festejam a produção nacional de peças predominantemente medíocres como “engajadas”, não se dão conta que o teatro brasileiro perde técnicas e contribuições importantes de textos da dramaturgia universal que tratam justamente de aspectos vitais também da vida no Brasil.

Quanto à hoje, pode se dizer que o teatro é contaminado num nível ideológico pela concepção que o governo tem de cultura. Porque o governo faz o que não é o direito do governo: cobra para si o privilégio de dizer o que é cultura. É a banalização da didática barata: acarajé também é cultura. Feijoada é cultura.

TUDO é cultura!... Se tudo é cultura, logo, nada é cultura...! Esta concepção do vatapá cultural, a ditadura suflê da arte popular, já se anunciava na campanha contra Gonçalves há 50 anos. É a mesma triste obsessão populista que paralisa há muito tempo o raciocínio.

Desligando a cultura do conceito de seleção e de qualidade, a sátira se revela como verdade, a vulgaridade e a burrice são celebradas como qualidades máximas. E o obscurantismo como arte da política. Assistimos ao nivelamento por baixo.

Por que os intelectuais desta boa terra não se manifestaram ontem e não se manifestam hoje? Eles não têm colhões nas calças que vestem? A forma pedante com que se discute ainda o conceito de “baianidade” remete ao pesadelo de uma churrascaria em que o homem mais bem pago é aquele que vira as salsichinhas na brasa. A natureza patológicoautista da contemplação do próprio umbigo tem paralisado por décadas boa parte da imaginação e criatividade acadêmica local.

Pois também fazem parte da memória nacional a literatura de Machado de Assis e de Lima Barreto que, é bom lembrar, eram negros, e conseguiram superar o terrível estigma de cor com a validade de suas letras. Que LIÇÃO para nós! Eles não se comportaram como duas velhinhas insistindo pela poltrona “only for white” num ônibus. Eram, sim, dois escritores brasileiros, negros, que tomaram os primeiros lugares do cânone literário mundial por suas obras.

Mas o recado do atual “jornalismo cultural” parece ser: “O País não tem mais um Machado, um Lima...

Mas e daí, se temos Paulo Coelho?!” Como se pode ver, Caio Plínio Segundo, o cientista romano, tinha razão dizendo que “nenhum livro é tão ruim que não possa ser útil sob algum aspecto”.

Quando Gonçalves deixa a Bahia em 1961, como homem achincalhado na desgraça pelos jornais baianos, ele não perde tempo decifrando o enigma da sua queda. Usa os anos que lhe restam para fazer teatro. Intensamente. Parece que a Bahia nunca havia existido.

Mas a Escola de Teatro, com sua alta reputação acadêmica e artística, sobrou quase que como um paradoxo de tudo isso. Porque ainda incorpora seus princípios no ensino da prática teatral. E ficou também seu teatro, reconstruído, desde 1996, como Teatro Martim Gonçalves.

Ele está de volta, sim.

Não posso fechar o livro Impressões modernas sem reclamação.

Diante das qualidades do trabalho, quase me sinto um crítico mesquinho: mas o arranjo gráfico da capa é confuso, porque o título se confunde com a reprodução de um artigo de jornal com as falhas de clichê com retícula.

Além disso, o título é em si de pouca precisão. A abrangência da pesquisa e a habilidade da análise de Jussilene Santana em manusear a quantidade imensa de material, colocando-o além das linhas de fuga das perspectivas conservadoras, não mereceriam um termo tão nebuloso quanto “impressões”. E o que seriam impressões modernas escapa por completo à minha compreensão. No subtítulo, não faria mal especificar o período que o livro contempla. Aqui, um último recado para o leitor: não julgue pela capa. Confie no livro!

EWALD HACKLER | Diretor teatral e cenógrafo

Uma Análise sem Rancores, Gideon Rosa

JORNAL A TARDE – Caderno Cultural – 23/05/2009
Uma análise sem rancores

GIDEON ROSA
gideonrosa@uol.com.br

“O tempora, o mores!” (ó tempos, ó costumes!), exclamou Cícero em sua primeira catilinária no senado romano contra Lucio Catilina. Ler o livro Impre ssões modernas – Teatro e jornalismo na Bahia, de Jussilene Santana (Ed. Vento Leste) faz lembrar essa célebre frase que ilustra bem esse aspecto da baianidade que, alardeia-se, dá 100 para que o outro não ganhe 50.

Recebi meu exemplar com a seguinte dedicatória: “Um livro que todo jornalista e ator deve ler”. Enquadrado nas duas categorias, não me furtei ao desafio de mergulhar um pouco na história da Bahia, particularmente na história do teatro da Bahia: antes e depois de Martim Gonçalves, e toda a relação que este pioneiro desenvolveu com a imprensa, a comunidade artística e a intelligentsia da época (1956-1961, período de enfoque do livro).

O trabalho é uma grata surpresa porque preenche lacunas históricas e tece considerações com base em depoimentos que iluminam trechos pouco esclarecidos da passagem de Martim Gonçalves pela Bahia. A trajetória deMartim no reino de Senhor do Bonfim modificou definitivamente o teatro realizado em Salvador e essa personagem merece um livro como Impressões modernas, que recompõe sua figura, deixando-a à altura da empreitada que realizou.

Acusado de ser um divulgador do teatro estrangeiro no Brasil, isto é, de só encenar peças de autores europeus e norte-americanos, esta é a primeira má impressão derrubada por Jussilene Santana.

Ela prova, por fatos e depoimentos, o quanto de brasilidade estava nas ações de Martim Gonçalves.

Ele foi um entusiasta, pernambucano que era, em também promover o teatro com base na literatura de cordel, além de construir um acervo com peças da cultura nordestina que foi do Brasil para a França e para a Bienal de São Paulo, onde se dispersou.

Fica claro, para quem lê o livro, que Martim Gonçalves se interessava pelo bom teatro, um teatro profissional, sem se prender a escolas estéticas.

Há aspectos curiosos na trajetória deMartim Gonçalves na Bahia que suscitam algumas especulações reveladoras de uma Bahia moralista e acostumada à troca de favores. Inicialmente, Gonçalves foi recebido com aplausos e fogos de artifício pela classe dominante, mas não houve convergência pacífica com parte da intelectualidade da época.

Passados os primeiros anos, artigos favoráveis à instalação da Escola de Teatro da Ufba (um projeto do reitor Edgard Santos) e à pessoa de Martim foram rareando até restar somente o Diário de Notícias. Mas o rompimento com Odorico Tavares, então diretor dos Diários Associados (diz-se que em razão da recusa do diretor pernambucano em permitir a transmissão de A Ópera dos Três Tostões gratuitamente pela TV Itapoan), pôs fim à ultima fronteira de defesa de Gonçalves.

A perseguição feroz a Martim Gonçalves vinha até de um jornalista como Paulo Francis – jamais veio à Bahia ver a Escola de Teatro –, que usava expressões como “comportamento primadonístico” e “desligamento cultural em relação ao Brasil”, dentre outras acusações sistematicamente reproduzidas por jornais locais.

Havia também o jornal Unidade, pertencente a grupos estudantis de esquerda, que o denominavam como o “Calígula aposentado” e esse mesmo jornal chamava a Etufba de “reino de Eros”. E, depois, o próprio Odorico Tavares escreve em sua coluna “Rosa dos Ventos” (Diário de Notícias), afirmações sobre a inutilidade da Escola de Teatro para a Ufba, porque toda a sua estrutura estava voltada para que brilhasse “uma figurazinha, que se recolhe o mais possível, pois, revelada a sua face, as coisas seriam piores”.

Os artigos pareciam, em determinado momento, se ocupar de usar expressões para construir nas entrelinhas um discurso da mais aberta rejeição a Martim Gonçalves, não por suas posições profissionais, mas por seu comportamento homossexual que, apesar de discreto, parecia ser intolerável para a classe dominante e os formadores de opinião da época. O ponto de discórdia parece residir no fato de que um praticante do “vício grego”, ainda mais pernambucano, não poderia chegar à Bahia para ocupar tanto espaço e ditar normas de como deveria ser um teatro profissional.

A estratégia dos detratores era de negar suas habilidades para não legitimar sua figura perante a sociedade, porque isso representaria perigo para o conservadorismo baiano que, de algum modo, ainda hoje permanece. Às vezes, Odorico Tavares escrevia, em tom de quase aviso: “O gênio arma suas arapucas custosas, onde felizmente são raros os que caem nelas. Mas é preciso que ninguém mais caia nelas”.

Em A TARDE, na coluna “7 Dias” assinada por Adroaldo Ribeiro Costa em 1960, ele também sistematizava os ataques e a queixa recorrente era de que só tinham vez, nas montagens do grupo A Barca (criado por Martim para produzir as peças da Etufba), “os filhos diletos do coração do Senhor”.

O Unidade chegava a utilizar expressões como “deu a louca” para se referir aos entreveros de Martim com alunos e professores.

Aparentemente, o preconceito e a ignorância expulsaram da Bahia um homem que promoveu uma revolução no fazer teatral da cidade ao construir espetáculos importando artistas, técnicos e textos para forçar a que se chegasse um degrau acima numa prática amadora que se caracterizava por numerosos grêmios e sociedades culturais.

Como contraponto, a autora de Impressões modernas tem o cuidado de estabelecer um diálogo profundo também com os defensores de Martim Gonçalves, tanto em depoimentos como em material publicado nos jornais. A exemplo de Glauber Rocha, que escreveu: “A iniciativa de Edgard Santos encontrou em Martim Gonçalves elemento ideal para planejar e desenvolver o curso que, embora ainda incompreendido por muitas classes baianas e pela maioria dos ativos profissionais de teatro brasileiro, cria, gradativamente, bases reais para um futuro corpo de artistas capacitados ao progresso da cena brasileira no melhor sentido de concorrência aos espetáculos de todo o mundo...” (Diário de Notícias, 1960).

É interessante observar que a vinda de Eros Martim Gonçalves para a Bahia fez eclodir um conflito que só existe no pensamento de uma determinada esquerda panfletária: a alta cultura versus a cultura popular. E parece que esse pensamento perdura. Jornalistas e intelectuais se debruçaram a fazer acusações de que o trabalho de Martim só servia a um grupinho de interessados na alta cultura e que ele desprezava os valores nacionais.

Montagens de autores brasileiros listados por Jussilene provam que essas afirmações foram todas feitas de má-fé, que havia algo mais por detrás dessa campanha que se orquestrou contra o diretor pernambucano.

Ao se ler Impressões modernas, percebe-se claramente que a Bahia, contemporaneamente, não se livrou desse ranço xenófobo.

Um pensamento que, antes e agora, impõe prejuízo à prática do teatro. Para o fazer teatral, o cerne da questão é se o espetáculo é de boa ou má qualidade, porque o público – o que verdadeiramente importa – passa ao largo dessas discussões estético-ideológicas e aplaude sempre o resultado que lhe apraz.

A raiz desse pensamento (“um teatro ao alcance de todos”) reside na histórica crença intelectual de que o público é ignorante. Essa aposta leva os intelectuais, principalmente os de esquerda e os estudantes, a criarem movimentos salvadores. É nesse contexto que surgiu o Centro Popular de Cultura (CPC) com o claro objetivo de doutrinar as platéias.

A autora se preocupa em registrar o pensamento matricial e retrógrado da Bahia – sempre avessa a mudanças – quando extrapola sua pesquisa e registra a oposição ferrenha que uma parte da imprensa fazia à construção do Teatro Castro Alves sob o argumento de que havia outras prioridades. Ela deixa claro, ainda, que a famosa disputa com professores e alguns alunos, que provocou a ruptura geradora do Teatro dos Novos (Vila Velha), é um episódio que pode ser considerado positivo para o balanço da contribuição de Martim Gonçalves ao teatro baiano.

O livro recupera a imagem de Martim Gonçalves, humaniza-o, retrata um homem preocupado com o teatro profissional e imbuído na tarefa de elevar o nível de produção do teatro realizado na Bahia e, por isso, muitas vezes, incompreendido. É um documento que não se afasta de sua perspectiva histórica e cumpre o papel de todo historiador preocupado com a verdade: traz o contraditório através de várias fontes (depoimentos e pesquisa nos jornais), tece comentários, mas deixa ao leitor o espaço que lhe compete para fazer seu próprio juízo. Ler este livro é saudável para se compreender o pensamento baiano.

GIDEON ROSA | Ator e jornalista