sexta-feira, novembro 26, 2010

Apresentação no VI Abrace

Olá a todos!
Segue o meu texto apresentado no VI Congresso da Abrace, em Sampa, de 09 a 12 de novembro de 2010.


O Jornal como Fonte de Pesquisa para o Teatro na Bahia entre 1956 e 1961: Análise
dos jornais A Tarde, Diário de Notícias e Jornal da Bahia.
Jussilene Santana

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UFBA
Doutoranda em Artes Cênicas. Orientador phD Ewald Hackler (diretor e cenógrafo)
Bolsista CNPq.
Atriz e Jornalista.
junesantana@gmail.com

A comunicação apresenta algumas conclusões das análises dos jornais baianos A Tarde,
Diário de Notícias e Jornal da Bahia realizadas para a pesquisa de doutorado 'Martim
Gonçalves - Uma Escola de Teatro contra a Província'. São considerados textos e fotos
sobre a produção cênica baiana entre 1956 e 1961. O período coincide com a fundação e
primeira administração da Escola de Teatro da Bahia, primeira no país ligada a uma
instituição de nível superior, a Universidade da Bahia. Em Salvador, a iniciativa abriu caminho para que procedimentos do teatro moderno fossem sistematicamente exercitados em inúmeros espetáculos. Durante cinco anos - num período conhecido como 'Era Martim Gonçalves', referência ao primeiro diretor da unidade - mudanças ocorrem tanto na cena teatral, quanto no jornalismo.

Palavras-chave: Teatro na Bahia, Universidade, Jornalismo, Moderno, Martim Gonçalves

Apesar da importância para a História do Teatro Brasileiro, até o momento não houve
nenhum estudo específico sobre a fundação e primeira administração da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (1956-1961), primeira no Brasil ligada a uma instituição de nível superior, estudo que por sua vez investigasse as opções artísticas e administrativas do diretor Martim Gonçalves e que, mais ainda, analisasse seu possível impacto na academia e no mercado das artes cênicas do país(1).

O encenador e cenógrafo pernambucano Martim Gonçalves chega a Salvador, em
1955, (2) a convite do reitor Edgar Santos. Com o objetivo de “sondar” as possibilidades de instalação de uma unidade de ensino, Martim ministra dois cursos de teatro, através dos quais se informa sobre a vida cultural e sobre a participação de potenciais alunos e professores.

Aos 36 anos, Martim possuía um respeitável currículo no teatro, cinema, artes
plásticas, ensino e crítica, mas não era um nome de projeção nacional. Apesar de ter
realizado trabalhos premiados – sobretudo em cenografia – com grupos e figuras emblemáticos do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife,(3) além da co-direção do filme Ângela, na Vera Cruz, e de passagens pela Atlântida, Martim era (e de certa forma continuou sendo por toda a futura e exitosa carreira) um outsider.

Formado em Medicina com especialização em psiquiatria, Martim mudou-se do Recife
para o Rio em 1942, quando opta de vez pelas artes plásticas, atividade que exercia em paralelo na cidade natal. A partir daí adentra no mundo do teatro realizando cenários e cursos no exterior.4 De volta no início dos anos 1950, encontra um cenário teatral completamente modificado no país e estréia como diretor de teatro, em 1951, através do grupo O Tablado, que funda no Rio de Janeiro, com Maria Clara Machado, e cria o grupo Teatro do Largo (1953-1955), autodenominado “semi-profissional”, com o qual realiza representações ao ar livre, adros de igrejas e praças, numa tentativa de enfrentar a conhecida disputa pelos teatros da cidade exercitando uma prática largamente empregada no teatro moderno: utilizar espaços “alternativos” afinados com o tema e estilo das
encenações.

O convite para a Bahia, em 1955, surge num momento onde Martim almeja a
profissionalização da carreira de diretor, situação que, em linhas gerais, termina por afastálo de vez de O Tablado, projeto que Maria Clara insistia em manter no amadorismo, condição que a iniciativa carioca mantém até hoje, juntamente com a dimensão educacional.

A Escola de Teatro que Martim organiza em Salvador entre os anos de 1956 e 1961
se firma como um centro profissionalizante de excelência, único no país, articulado com outros centros de formação de artistas, acadêmicos ou não, localizados nos EUA, Europa e Oriente. Para tanto recebe completa autonomia do reitor, que à época coordena amplo programa para a universidade baiana, com a inclusão/incorporação de escolas de artes,(5) além da criação de inovadores institutos nas áreas da cultura e ciências básicas.(6) A Universidade seria a principal articuladora de um projeto amplo que intencionava re-inserir a ex-capital nacional no mapa cultural-econômico do país, projeto de certa forma subvencionado pelas benesses trazidas pela recém-descoberta de petróleo no estado (RISÉRIO, 1995).

No que diz respeito à inclusão do ensino das artes no âmbito universitário, tal
programa era arrojado na perspectiva mesma da sociedade brasileira, mas evidentemente
inspirado no modelo das universidades americanas que, ainda hoje oferecem, no nível da graduação, diversificada formação humanística, possuindo (se não todas as universidades e “colleges” pelos menos os mais importantes) departamentos de artes que também assumem a função de promotores de eventos culturais para a comunidade acadêmica. O reitor Edgar Santos, dilatando tal escopo, procura integrar “o restante da cidade” dentro desta comunidade atendida pelos produtos culturais das escolas, criando mesmo uma intrincada fusão entre unidade de produção, fruição e análise, que marcará “o mercado” artístico baiano nas próximas décadas.

A relação da administração Edgar Santos com as universidades e institutos
americanos ainda está para ser profundamente estudada. O que a pesquisa de doutorado
Martim Gonçalves – Uma Escola de Teatro contra a Província por hora aciona é a sua
articulação na Escola de Teatro, em especial sobre o convênio, posteriormente polêmico, com a Fundação Rockefeller, que possibilitará, quase que integralmente, a manutenção financeira na primeira administração.

Nestes cinco anos, as encenações/aulas da Escola possibilitam que procedimentos do
Teatro Moderno sejam trabalhados sistemática e ininterruptamente nas artes cênicas de
Salvador, alterando indubitavelmente os rumos da atividade no estado. Antes da Escola, o teatro na Bahia tinha cunho predominantemente amador e diletante. Pouco depois da sua formação, já se observa uma tendência à profissionalização, com o surgimento, em 1959, da Sociedade Teatro dos Novos, auto-denominada primeira companhia profissional de Salvador.

É através dos eventos e encenações da Escola que ocorre uma verdadeira mudança
de paradigma, não apenas no âmbito da atividade em seu aspecto profissional (ser
compreendida como uma carreira específica, mesmo que inóspita, a seguir; com salários a receber; e particulares relações ético-empregatícias – uma deontologia), como também há intensa divulgação/exercício das diretrizes do Teatro Moderno, em especial do poder relegado ao diretor e da importância da articulação de diferentes elementos para a formação“da cena”.

Num rápido balanço, a administração Martim Gonçalves: encenou quase três dezenas
de espetáculos,7 metade de textos inéditos no país; adquiriu o casarão-sede da Escola; inaugurou o Teatro Santo Antônio (atual Teatro Martim Gonçalves); criou a companhia A Barca; contratou inúmeros professores nacionais e estrangeiros;8 sem falar na profusão de eventos, cursos e seminários extra-curriculares voltados para a formação geral dos alunos.9

A abordagem seguinte analisa a cobertura teatral dos jornais Diário de Notícias, A
Tarde e Jornal da Bahia entre os anos de 1956 e 1961.10 Neste período, tanto o Diário de Notícias quanto o A Tarde passam por diversas transformações de ordem técnica e editorial.11 O Jornal da Bahia, que é lançado em 21 de setembro de 1958, concorre com otambém matutino Diário de Notícias, numa época em que o horário de circulação definia o perfil do veículo. Mas, aos poucos, graças à agilidade dos textos, agora escritos sob formato da “pirâmide invertida” (técnica jornalística de escrita que parte do mais essencial para o menos importante), ao lançamento de uma inovadora edição de segunda-feira,12 e pelo posicionamento político “mais” liberal13 em relação às forças político-econômicas que dominavam a cidade, o Jornal da Bahia concorre também com o A Tarde.

O que é primeiramente notável no comportamento dos impressos é a diferença de
engajamento em relação às inovações artísticas e culturais que se processam na cidade.Enquanto o Diário de Notícias está completamente integrado neste movimento, sendo inclusive co-formador do rico processo sócio-cultural-estético, o A Tarde, não raro, dá mostras de desconforto e inépcia no trato dos temas e atividades que mobilizam o fazer artístico. Já o Jornal da Bahia investe numa certa “neutralidade” de posicionamento. Quando inicia a circulação, em 1958, a Escola de Teatro já é uma realidade e não mais um projeto que deve ser combatido ou incentivado. De todo modo, o jovem periódico repercute com agilidade as atividades e eventos da Escola, oferecendo um precioso contraponto para as visões opinativas dos jornais mais tradicionais.

São anos em que também o jornalismo batalha pela delimitação profissional do seu
campo. Não havendo equipe fixa, os repórteres que se aproximam do tema por afinidade,
também não possuindo uma formação específica para a atividade. Por conta desta postura, o A Tarde praticamente continuará com os mesmos espaços e colunas já empregados na cobertura do teatro amador, incorporando aí a produção profissional da Escola de Teatro e dos novos grupos de alunos egressos. Não obstante a permanência nos mesmos ambientes, as questões sobre um “novo fazer teatral” não chegam a ser acionadas. Este jornal mantém, durante todo o período,colunas alimentadas por notinhas, artigos e pequenos comentários opinativos sobre teatro (14).
O Diário de Notícias explode em experimentações, promovendo a edição de novos
cadernos e suplementos. Vale destacar os cadernos Crônicas, o Suplemento Dominical e do caderno Letras e Artes, este mais tarde ainda abrigará a única coluna teatral do jornal, a DN-Teatro. A DN-Teatro intencionava publicar apenas críticas, mas, devido ao irregular número de estréias, imprime notas com agenda dos grupos e textos que discutem a própria função da crítica. Esta coluna também participa, quando da briga entre o diretor do jornal, Odorico Tavares, e Martim Gonçalves, da severa campanha da imprensa contra o trabalho do encenador. Já o Jornal da Bahia investe mais nas reportagens e entrevistas de cunho noticioso, evitando opinar diretamente através dos seus textos e, por isso, realizando um eficiente trabalho informativo, que serve de contraponto.

Esta comunicação destaca o fato de que os jornais não apenas discordam entre si no
julgamento de fatos, projetos e pessoas, como modificam “opiniões sobre eventos e artistas quando estes assumem posturas que se afastam das linhas editoriais defendidas ou mesmo por questões pessoais dificilmente diagnosticáveis” (SANTANA, 2009: 21). Conclusão que coloca em xeque o trabalho sobre História do Teatro que utilize “o discurso da imprensa”antes de qualificá-lo ou enquadrá-lo sob uma perspectiva crítica. É fundamental advertir sobre os riscos de apropriação de tal discurso para (re)criação de uma narrativa histórica,isto é, para a formação de “uma história do teatro’. Assimilando-os sem uma análise, grande parte dos estudos sobre o teatro no período – se não todos eles – mais perpetuam as mesmas questões, sonhos, limites, preconceitos e estratégias presentes no jornalismo (e na intelectualidade) daqueles anos, do que falam sobre teatro.