domingo, fevereiro 01, 2009

Comentário de Manuela Oliveira, no CelestialBrightness

A bibliografia sobre o teatro da Bahia é escassa. Sobrevivemos 40 anos com duas parcas publicações: o indeciso História do Teatro na Bahia, de Affonso Ruy, de 1959, e o monumental História do Teatro, de Nelson de Araújo, de 1978, que, por motivos óbvios, relega ao teatro baiano menos que um apêndice na grande história mundial. A eles vieram se juntar, muito recentemente, o Teatro na Bahia através da Imprensa, de Aninha Franco, em 1994, e Abertura para outra cena, de Raimundo Matos, em 2006.

Agora esta lista está sendo acrescida de um livro que deve ser considerado todas as vezes que o assunto for tratado. Por um simples, mas muito acertado objetivo: Impressões Modernas – Teatro e Jornalismo na Bahia, de Jussilene Santana, faz mais do que contar a história das produções realizadas nos anos 1950/1960, época em que o teatro feito nesta terra tenta entrar no compasso do realizado nos verdadeiros centros culturais. O livro nos mostra como os jornais são personagens ativos na construção desta história, ao eleger artistas, perseguir desafetos e, mais perigosamente, silenciar sobre nomes que, por diferentes motivos, não compactuam com a linha editorial (ou pessoal?) dos periódicos. As questões artísticas/poéticas, vimos, são as menos consideradas pelos jornais. Jussilene, com isso, nos dá um verdadeiro raio-X da Província.

O caso mais marcante é sem dúvida o que analisa a verdadeira perseguição que acontece ao fundador e primeiro diretor da Escola de Teatro da UFBA, Eros Martim Gonçalves. Ele chega à Bahia, aos 36 anos, formado na Inglaterra e França, tendo trabalhado com os Comediantes, na Companhia Cinematográfica Vera Cruz e tendo criado O Tablado, com Maria Clara Machado. Apesar da pouca idade, já havia feito muita coisa. Já havia se formado em medicina, com especialização em psiquiatria, o que o aproximou do Teatro-educação. Artista plástico, se aproximou do teatro pela cenografia, sendo premiado pelo cenário de Desejo, de Eugene O'Neill, com direção de Ziembinski. Em pouco mais de cinco anos, encenou 28 peças.

Graças aos seus inúmeros contatos com centros espalhados pelos EUA, Europa e Oriente, montou uma verdadeira equipe profissional e internacional para ensinar e fazer teatro em Salvador. Foi demais para todos. Vimos em Impressões Modernas como o encantamento fácil dos jornalistas pela figura fulgurante de Martim Gonçalves rapidamente cedeu lugar para a inveja e para a incompreensão. Entre agosto de 1956 a agosto de 1961, Gonçalves passa a ser chamado pelos jornais de "grande encenador" a "Calígula do Canela" e coisas piores. De diferentes formas, tanto o A Tarde quanto o Diário de Notícias participam da grotesca campanha contra Martim Gonçalves. Jussilene analisa o processo.

Jussilene nos mostra em detalhes como o jornalismo constrói as histórias, as carreiras, os mitos que tenta vender aos seus contemporâneos como verdades. E, com isso, nos acende um alerta sobre como o discurso historiográfico pode se servir dos textos publicados na imprensa. Daí que Jussilene faça questão de, logo na abertura do livro, marcar postura crítica em relação ao Teatro na Bahia através da Imprensa, de Aninha Franco. Segundo Jussilene, esta publicação minimizou a diferença entre os jornais do período – cujas posturas políticas e estéticas são bem distintas – , se apropriando indiscriminadamente dos textos dos diferentes jornais. E, mais grave ainda, Teatro na Bahia através da Imprensa não confrontou os jornais com outras fontes, praticamente seguindo as máximas populares: "Saiu no jornal, é verdade" e "Se não foi publicado, não existe".

Mas Jussilene faz questão de frisar exatamente que "os jornais não apenas discordam entre si, como também modificam publicamente opiniões sobre eventos e artistas quando estes assumem posturas que se afastam das linhas editorias defendidas ou mesmo por questões pessoas dificilmente diagnosticáveis. Não há como contar uma história pela imprensa sem analisar isso".

texto de Manuela Oliveira.

1 Comments:

Blogger Gil Vicente Tavares said...

Acho, sinceramente, que os temas "história" e "jornalismo" acabam sendo pano de fundo para Jussilene descortinar os problemas do teatro na província.
Lidando com a história de forma mais dialética do que ilustrativa, esse livro vem preencher, legitimamente, uma lacuna de discussão de verdades que precisavam ser ditas.
Não acredito no escritor que lê a história sem refletir sobre ela. E Jussilene nos brinda com um material que - apesar do analfabetismo que assola artistas e público em geral - preciso ser lido por quem ainda acredita que possa se fazer arte nesta eterna colônia de férias que é Salvador.

9:57 AM  

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